Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2009

Dirigindo no escuro

Eu dirigia por uma estrada vazia, em alta velocidade, era noite alta de uma terça-feira de janeiro e estava chovendo bastante. Levemente sonolento de tanto dirigir desde o Paraná no dia anterior, via as luzes passando vermelhas e brancas, desfocadas, ritmadas. O carro era um prolongamento dos meus braços. Quase como se eu o estivesse vestindo. Então senti que vestia mesmo meu próprio corpo, como se de algum lugar lá dentro eu coordenasse as ações dos braços, dos olhos, das pernas, que moviam, olhavam e pisavam algumas partes mecânicas: carro e corpo unidos, articulados. Uma armadura ou uniforme, eu lá dentro em algum lugar. Foi estranho perceber esta independência, eu interno ao corpo, consciente dos comandos, das engrenagens. Desejei subir, ver o que havia lá fora. Atravessei o teto do carro como se ele não estivesse ali. Via a estrada deslizando em grande velocidade. Elevei-me mais e mais, observando a noite estrelada. Enquanto isto, meu carro cruzava a pista e voava pelo barranco la

Pesquisando Tesla

Sebastião tem um pé podre, o esquerdo, e anda com dificuldade apoiando-se apenas na ponta dos dedos. Já tentou inúmeros tratamentos, agora simplesmente desistiu. Sequer troca as bandagens. Acorda ainda de noite, veste a mesma calça a semana toda, a camisa do dia anterior, calça as botas, come um pãozinho com café bem forte e vai para o trabalho. Fica ali pela ponte o dia todo, aluga cavalos e equilibra-se na lama misturada aos escrementos fétidos. Cobra 10 reais por meia hora, como tem muitos cavalos e há sempre turistas por ali, fatura o sufuciente para viver com relativo conforto. Às cinco em ponto conduz seus animais de volta ao pasto, espanta as moscas de sua ferida e toma um banho frio. Depois, abre um dos livros de física que herdou do pai e retoma suas pesquisas das descobertas de Tesla, o famoso pesquisador da eletricidade e real inventor do rádio e do raio-x. Já montou um exemplar de sua famosa bobina ali mesmo na sala e agora busca concluir a pesquisa interrompida pela morte

Coisas que acontecem quando não tem ninguém olhando - XIII

Coleciona estrelas cadentes pela noite como quem coleta conchas na areia da praia. Estrelas sem grandeza, com ou sem cauda, corpos celestes frios ou incandescentes, como quem busca amores por aí. Guarda-as dentro de si, desmaterializadas, queridas. Esta noite há nuvens carregadas no céu, sequer a lua se pode ver. Ele desespera, estica braços, pescoço, olhares. Sabe que deve parecer muito velho, doente, triste hoje. Precisa de suas estrelinhas para viver. Mas que diferença faz? As estrelas, sabe que continuam a cair e amanhã espera encontrá-las acumuladas numa órbita qualquer. Quem sabe não acha uns satélites junto?