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Mostrando postagens de junho, 2008

Ontem no espaço

Uma decepção como um jantar requentado num dia sem fome. O prato meio cheio, meio vazio, as comidas foscas, usadas, das quais outros já se serviram, e que nem podem colaborar parecendo atraentes. A nave tinha pouco combustível e acabamos precisando queimar algumas árvores das que coletamos para gerar mais seiva, as crianças brigavam pelos poucos humanos que restavam, havia poucas nuvens para beber. Depois foi o jogador de futebol: torceu o joelho e precisa ser sacrificado. Bem avisei: mascote precisa ser do tipo calmo, para não causar problemas. No máximo um administrador. A expedição fora um fracasso, uma derrota, do que buscávamos trouxemos apenas uma pequena parte, nenhum objetivo tinha sido alcançado. Terríveis acidentes: um piloto e um batedor dissolvidos numa das terríveis salinas do norte, um mecânico que caiu na água e inchou até explodir. Estamos voltando a Z, e descubro que ela dormiu sem ao menos dar um "boa noite". Vida de ET é só decepção.

Beatriz, finalmente

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Em um espaço cinzento ela se move atrapalhada, olha ao redor buscando um pouco de tranqüilidade onde parece saber que não há, assustada com sua origem e muitas questões que surgiram em sua incompleta cabeça. Há pouco não existia, está pelo menos alguns anos atrasada e não sabe se ainda terá tempo para liderar o motim, que será uma volta à origem do processo todo. Pensa que as pessoas talvez também tenham surgido assim, de um instante para o outro, como são mesmo, já pessoas e não bebês. Os bebês que nascem agora, sabemos de onde vieram, e sabemos que somos filhos de nossos pais, temos lembranças da infância. E os pais sabem ser filhos dos avós, e assim por diante, mas veja: houve algum início, como aquela charada da galinha e do ovo, e o primeiro casal deve ter surgido adulto e não bebê, ou não teria sobrevivido. De algum tempo para cá há fotos, evidências, memórias. Antes havia pinturas, relatos, textos, antes disso a transmissão das histórias era verbal, antes disso o homem nem sabia

1 Noite, 2 dias ao Mesmo Tempo

Say goodbye on a night like this If it's the last thing we ever do You never looked as lost as this Sometimes it doesn't even look like you (A Night like This – The Cure) Músicas carregam estados de espírito como cápsulas de tempo, trazem cheiros, gostos, imagens, sensações e idéias passadas, mesmo que nunca tenham sido escutadas. Funciona nesse caso a tal associação perceptiva, da época da música, do conjunto e até o estado de espírito. A quarta dimensão é o tempo, impossível duvidar, e os físicos têm falado em muitas outras dimensões que de certo modo dele se ramificam. As músicas são chaves para estes lugares, e cada um de nós circula em muitos deles agora mesmo. Ontem eu escutava uma rádio pela Internet e tive a sensação muito muito tátil de que estava em um outro lugar, pé na grama, ventos perfumados de eucalipto, sol na face, mas sabia que já era noite avançada. Fechei os olhos esquecendo a noite e fiquei concentrado no dia, então percebi que na verdade eu estava mesmo no

Crônica de uns Mendigos

Há no Castelo um mendigo a que chamo “Prince”, pois é muito parecido com aquele cantor, uma outra que é muito gorda e fica ali sentada perto do metrô Cinelândia, há uma bem idosa, baixinha e curvada com cabelos compridos amarelos e a pele morena, há um senhor barrigudo sempre de boné que aparece perto do Villarino na hora do almoço. Até bem pouco tempo havia também na Rua do México um negro magro que estava sempre se barbeando em frente ao consulado americano e uma mulher que usava peruca, se vestia de noiva e gritava “pã!pã!pã!” sem parar. Em frente ao Odeon sempre ficava um senhor com agasalho de ginástica que dava aulas de aeróbica para ninguém, e ali perto uma mulher que sacudia o corpo para frente e para trás furiosamente. Prince usa brincos feitos por ele mesmo, clipes de prender papéis encaixados em corrente que descem até os ombros, e colares de barbante, clipes, plásticos e outros materiais. Prende o cabelo no alto da cabeça e anda rebolando ostensivamente. Para quem fica olha

Tarde-Mart

O mercado estava excessivamente lotado, tanta gente e carrinhos que o trânsito entre as prateleiras fazia com que as compras demorassem uma eternidade. José Francisco sentia frio no setor de congelados, estava bloqueado entre quatro clientes e dois freezers horizontais, daqueles bem compridos onde ficam as caixas de nuggets. Precisava ainda chegar aos hambúrgueres, na outra ponta. Uma promoção anunciada pelos sistema de som fez com que todas as pessoas se deslocassem para o setor de farináceos, como uma onda, e de repente tudo ao redor ficou deserto e ainda mais frio. Os carrinhos, abandonados cheios, eram apenas um obstáculo a mais e José ia deslocando um por um para passar, o corredor ficando cada vez mais comprido. Estava exausto. Enquanto escolhia entre a caixa com 4 unidades de 120g, mais suculentos, ou a de 12 unidades de 50g, viu de relance uma sombra despencando do alto. Mal teve tempo de dar um passo para o lado e um pombo se esborrachou ali mesmo onde ele estivera. O corpinho

Tarde-Mart2

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Com o olho de pombo via coisas demais para sua compreensão, mas seu universo todo parecia contido na cena, então ok, vamos voar por ali. De um lado para o outro ia reconhecendo coisas e lugares, comia grãos à noite, vivia assim há meses. Sabia que coisas havia além de sua compreensão, como a barreira invisível que o impedia de continuar voando para fora dali, via o céu, voava rumo a ele e batia em algo. Quanto mais rápido voava, mais forte sentia o impacto. Precisava sair dali a todo custo, estava enlouquecendo. Tinha algum medo dos homens, lá no solo havia muitos deles, e empurravam gaiolas com rodas que iam enchendo de caixas, depois levavam as caixas embora, então chegavam outros homens e colocavam novas caixas na prateleira, uma coisa muito estúpida, nem conseguiam esvaziar nem encher o lugar. Como os peixes, que bebem a água do mar e depois acabam virando água eles mesmos, ou como os aviões, que sugam o ar de um lado e sopram do outro, que lógica há? Se os peixes não bebessem água