Crônica de uns Mendigos

Há no Castelo um mendigo a que chamo “Prince”, pois é muito parecido com aquele cantor, uma outra que é muito gorda e fica ali sentada perto do metrô Cinelândia, há uma bem idosa, baixinha e curvada com cabelos compridos amarelos e a pele morena, há um senhor barrigudo sempre de boné que aparece perto do Villarino na hora do almoço.
Até bem pouco tempo havia também na Rua do México um negro magro que estava sempre se barbeando em frente ao consulado americano e uma mulher que usava peruca, se vestia de noiva e gritava “pã!pã!pã!” sem parar.
Em frente ao Odeon sempre ficava um senhor com agasalho de ginástica que dava aulas de aeróbica para ninguém, e ali perto uma mulher que sacudia o corpo para frente e para trás furiosamente.
Prince usa brincos feitos por ele mesmo, clipes de prender papéis encaixados em corrente que descem até os ombros, e colares de barbante, clipes, plásticos e outros materiais. Prende o cabelo no alto da cabeça e anda rebolando ostensivamente. Para quem fica olhando, logo grita uma série inimaginável de palavrões aprendidos sabe lá onde, e se não está andando pelas redondezas está escrevendo infinitos textos em um grosso caderno. O destino dos cadernos não me pergunte, há anos ele escreve sem parar.
A gordinha tem um namorado, um homem que às vezes está ali ao lado dela, às vezes fica chorando dizendo que perdeu o namorado e de repente lá está ele de novo sentado. Ela raramente muda de lugar, quando muda a paisagem muda porque fica faltando algo na calçada desimpedida. Ela cheira muito mal, às vezes é possível senti-lo antes de subir as escadas do metrô.
A senhora dos cabelos amarelos (não são louros, não sei dizer que cor é aquela, parece um desses xaropes) usa sempre casacos de lã, não importa se faz calor ou frio, e circula vendendo balas em pacotes de aspecto já rançoso. Na prática ninguém compra as balas, acaba dando alguma esmola e deixa a mercadoria com ela, assim cada dops já deve ter sido vendido dezenas de vezes. É chamada de Xuxa pelos garçons dos restaurantes, nunca a ouvi dizer uma palavra sequer, nem o preço, as pessoas entregam a ela notas de um real.
O senhor barrigudo aparece exclusivamente na hora do almoço e pede uma ajuda para comer, ele consegue cercar a todos que por ali passam, parece às vezes ter vários braços e consegue fazer com que você se sinta eternamente culpado por não o ajudar.
Os outros moradores da região andam sumidos, ou eu tenho andado pouco pelas ruas ou eles é que mudaram de ponto, meio perdidos em sua loucura. Mas sinto falta do cara que se barbeava, era ainda jovem e algo politizado, sempre ia se deitar na calçada do consulado para provocá-los. A Defesa Civil era chamada, uma ambulância chegava e o removia para o outro lado da rua. Ele esperava a ambulância virar a esquina e atravessava de volta. A Defesa Civil era novamente chamada e a história se repetia. Contei certa vez cinco chamados no mesmo dia, e ele atravessava a rua com uma expressão visivelmente zombeteira, aquilo era uma espécie de esporte para ele.

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