um Museu triste
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Agora entendi. É preciso estar um pouco fora de mim para
escrever. Quando me tenho e contenho tanto em labores tão múltiplos pouco me
resta de espaço para respiração.
Hoje foi um dia assim, de sair de mim.
No Museu Nacional resolvi pela primeira vez ver alguma
coisa, nas dezenas de visitas anteriores pouco havia a observar, apenas a olhar
de relance, assim rápido, acompanhando cada filho enquanto crescia e corria de
um corredor ao outro. Hoje o filho foi de mãos dadas com o pai de um amigo e o
arrastou enquanto eu via.
Vi as múmias e reparei pela primeira vez que eram todas
mulheres, as três. Duas estavam muito enroladas, preservadas. A terceira estava
em suas vestes primárias, e parecia uma menina coberta por alguma malha
justinha. Acompanhei a perna perfeita, a panturrilha, cheguei aos pés, esses
desenrolados mostrando pequenos dedos, alguns já descarnados ossinhos. Subindo
pelo ventre, seios, revestidos de desenhos e diagramas rituais, depois uma cabeça
descoberta e desmanchada, terrível.
O terror dessa terceira múmia era o de uma caveira com corpo
feminino, atraente até. Um terror triste, olhado por centenas de olhos todos os
dias, sem paz.
Observei então os dentes. Os dentes dela, e de outros três
crânios que havia por ali, muito conservados. Dentes de três mil anos, em melhor
estado que os do porteiro do meu prédio. Contei os dentes de duas caveiras,
dezesseis em cima, dezesseis em baixo, todos ali, incluindo os dentes de siso.
Em bom estado. Em uma delas os molares eram muito desgastados, um deles com um
buraco que devia proporcionar alguma dor ao dono.
Múmia de gato, múmia de filhote de jacaré, adornos,
sarcófagos.
Há um sarcófago masculino, bem grande aliás. As múmias
mulheres eram pequenas, quando vivas deviam medir talvez 1,60m. A múmia
masculina que ocupava aquele sarcófago devia beirar os dois metros, ou o
sarcófago tinha algum marketing de múmia embutido, fazendo o faraó parecer mais
grandioso.
Depois os brinquedos das crianças de Pompéia, soldadinhos de
ferro com mãos levantadas onde há encaixes para as lancinhas de madeira do
tamanho de palitos de dentes, lancinhas queimadas junto com as crianças que
brincavam com eles.
Aves empalhadas - "estão mortas, pai?", borboletas pregadas, besouros catalogados, peixes petrificados.
Aves empalhadas - "estão mortas, pai?", borboletas pregadas, besouros catalogados, peixes petrificados.
Vi mais algumas coisas interessantes, mas terminei com a
réplica da fatia do Bendegó, fatia que tinha sido repartida entre diversos
museus e instituições para estudos, ainda no final do império. Não entendi o
porquê da réplica daquela parte, se desencaixada do resto. Será que algum dia
planejaram grudá-la no original?
Senti pena de todas essas coisas, um museu de tristezas.
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