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Mostrando postagens de fevereiro, 2010

fantasmas

Vejo os fantasmas das pessoas vivas, porém mais novas, de quando eram de minhas relações, tal qual interferências das imagens de um televisor. São transparentes, etéreos, levemente colorizados, e fazem sempre os mesmos gestos, as mesmas cenas. Vejo as pessoas das imagens e não consigo acreditar que são as mesmas de minhas memórias, que o tempo tanto mudou. Os fantasmas, a seu lado, evidenciam suas misérias e as minhas. Parecem reclamar de decisões não tomadas, assombram arrependimentos e lembranças. Imagino as pessoas futuras, deitadas rígidas e com a pele amarelecida como cera, exangues. Assombram o tempo, os intervalos. Ontem estive à cabeceira de um morto em um cemitério triste, um hotel de mortos. Não o conheci em vida, nunca existiu para mim, nem vai gerar interferências. Meu écrã anda movimentado demais.

Vejo couros cabeludos ou não

Para onde foram os cabelos de tantos carecas? Cabelos crescem mesmo após a morte, mas precisam estar grudados ao corpo. Ou será que continuam crescendo mesmo sem ele? Talvez os fios costumem fugir à noite para poderem se alongar e misturar, para virarem coisas diferentes ou mesmo para coisificarem idéias. Talvez os fios roubem idéias, talvez eles contenham as idéias. O Café Villarino estava cheio de pessoas carecas hoje. Estranhamente, todos os clientes e garçons traziam o topo de suas cabeças desmatado e brilhante, exceto eu mesmo. Almocei sentado a uma mesa do canto, escondido, discretamente sentindo alguma condenação nos olhares. Como se houvesse alguma culpa nisso. Os cabelos devem ter sido requisitados pela cozinha, raspados um pouco antes de eu chegar. Pude ler isto, e uma intenção maléfica no olhar do garçom que se aproximava. O que havia atrás da bandeja, que ele tão estranhamente trazia colada ao peito? Imaginei um spaguetti de grossos cabelos à carbonara, cabelos boiando em t

Profissões: telemktg

Posicionei a cadeira de frente para a quina da mesa. Enquanto trabalho no computador de monitor pequeno e escuro, meu estômago é pressionado contra a ponta de madeira. Os pés estão dobrados para trás, forçando os joelhos, pois tanto a mesa como a cadeira são baixas demais para mim. A luz ambiente é excessivamente branca, refletindo-se nas paredes e papéis, e é gerada por poderosos refletores que aquecem o ambiente. Não há refrigeração, nem água para beber, as janelas estão fechadas. O suor escorre em minhas costas, braços, cabeça, molhando as calças e o chão. O som ensurdecedor de diversas britadeiras combinadas penetra os vidros sujos, bem como as vozes de mais de cem pessoas espremidas no cubículo de trabalho. Uso um fone pesado, desequilibrado e malcheiroso e faço ligações de telemarketing. Somos muitos e estamos aqui presos, é domingo a tarde e só poderemos sair quando cem pessoas disserem sim.