Vejo couros cabeludos ou não

Para onde foram os cabelos de tantos carecas?
Cabelos crescem mesmo após a morte, mas precisam estar grudados ao corpo. Ou será que continuam crescendo mesmo sem ele?
Talvez os fios costumem fugir à noite para poderem se alongar e misturar, para virarem coisas diferentes ou mesmo para coisificarem idéias. Talvez os fios roubem idéias, talvez eles contenham as idéias.

O Café Villarino estava cheio de pessoas carecas hoje. Estranhamente, todos os clientes e garçons traziam o topo de suas cabeças desmatado e brilhante, exceto eu mesmo. Almocei sentado a uma mesa do canto, escondido, discretamente sentindo alguma condenação nos olhares. Como se houvesse alguma culpa nisso.
Os cabelos devem ter sido requisitados pela cozinha, raspados um pouco antes de eu chegar. Pude ler isto, e uma intenção maléfica no olhar do garçom que se aproximava.
O que havia atrás da bandeja, que ele tão estranhamente trazia colada ao peito?
Imaginei um spaguetti de grossos cabelos à carbonara, cabelos boiando em toda a superfície de um creme de aspargos, cabelos enrolados em um espetinho de frango, sanduíche de cabelos com patê.

Perdi a fome, enjoado, imaginando aquilo.

Olhei novamente, agora todos estavam cabeludos. Ostentavam cabeleiras cheias, desgrenhadas, de todas as cores. E também bigodes, barbas, costeletas, suíças, cavanhaques, pelos no nariz e nas orelhas, pelos nas bochechas.

O que é menos ou mais normal de se ver? Em que situação é mais provável encontrar os cabelos?

A fome voltou, pedi um prato executivo, salmão com arroz de brócolis, muito boa pedida ali, sem intrusos no prato.

As pessoas estavam agitadas, falando alto, pediam espelhos, bandejas, talheres, qualquer superfície reflexiva ao garçom. Pessoas agora sem cabeça, em vão tentavam lembrar de como um dia tinham sido, em vão tentavam sair do restaurante mas não encontravam a saída.

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