Haircut com bolo

Fui cortar o cabelo, sábado era o único dia que dava tempo, meu cabelereiro agora tinha salão próprio e o corte era com hora marcada.
Escolhi logo o primeiro horário, que não tem movimento. A coisa mais detestável é cortar cabelo em pleno movimento de sábado à tarde, com velhotas fazendo as unhas, peruas tingindo o cabelo, pessoas fofocando, correria de lá para cá. Bem cedo costuma não ter quase ninguém, dá até para ir de short, camiseta velha e chinelo, coisas assim.
Não fui propriamente esculhambado, nem mal vestido se considerarmos a situação, estava com uma bermuda nova e uma camiseta surrada, sandália. O que piorava a situação era a barba sem fazer há muitos dias e o cabelo enorme, despenteado (quando, nesta situação, faço a barba, o cabelo parece ficar ainda maior, aí acabo deixando a barba acompanhá-lo por alguns dias).
Era um aspecto indigente-limpo, para quem não me conhecesse.

Bom, posso dizer que a primeira surpresa do dia foi ver que todos estavam vestidos com roupas extravagantes por lá, da recepcionista ao copeiro. Meu cabelereiro estava todo de branco, a camisa meio aberta no peito, um cordão com um cifrão prateado.

- O que é isso? Vão receber algum cliente muito importante aqui?
- Não, não. Hoje o salão faz um ano, você chegou bem a tempo de cantar parabéns com a gente.

Sem saber onde me esconder, vi a entrada triunfal do bolo, parecido com esses de casamento. No topo, a marca do salão. Convidaram uma senhora elegante a partir, ela tinha sido a primeira cliente.
Comi uma fatia, sendo filmado pelo funcionário que normalmente lava meu cabelo, sorriso amarelo disfarçado pelo glacê.

Depois abriram uma garrafa de champagne, a rolha quase quebrou um espelho, todos tomaram um cálice menos eu, acabara de tomar o café da manhã. Precisei resistir às investidas.

Então meu cabelo foi lavado, e fui finalmente cortar, já que na verdade tinha umas duzentas coisas para fazer naquele dia e já se passara pelo menos uma hora.
O cabelereiro bebeu apenas meia taça, prestei atenção, ou não sei se confiaria minha cabeça a ele. Conversamos bastante sobre o salão, o que eles tinham passado até ali, etc.

- Ei! Você é o primeiro cliente do segundo ano! (percebeu em determinado momento)

E tiraram foto, e filmaram, o sócio juntou-se a nós, é mesmo, eu agora faria parte da história deles. Ficaram por ali falando coisas e cortando meu cabelo, até que finalmente o corte estava terminado.

Nada de mais, cabelo masculino sem desafios maiores, mas um bom corte conseguia fazer a diferença. Inexplicável. Os milímetros que a tesoura percorria a mais ou a menos que faria em um corte ruim conseguiam transformar o que seria um capacete nerd em algo moderninho.

Todos foram comigo à recepção, o assunto não acabava. Eu era O cliente importante.
Percebi que queriam ver o primeiro pagamento do segundo ano. Alguma superstição?

Espero que não.

Porque quando abri a mochila para pegar a carteira descobri que ela não estava lá: tinha ficado na bolsa da esposa no dia anterior.
Voltei ao salão para fazer o pagamento no final do dia e, se isto significar alguma coisa, o primeiro cliente do segundo ano ao menos não deu um calote.

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