Coisas que acontecem quando não tem ninguém olhando – XII

A fotógrafa desrosqueou a lente, guardou-a separada do corpo da máquina na mochila à direita, colocou o filme no envelope pardo, lacrou com fita crepe.
O envelope despachou pelo correio das 17 horas, a última coleta, endereçado a si mesma porém em outra cidade, onde morava.
Dois dias depois a encomenda chegou ao destino, ela já estava lá, apressou a revelação no mini-laboratório do quarto, ampliou apenas uma foto.
Novo envelope, carta anônima, para um jornal de grande circulação.

Um marido fazia hora extra desfalcando algumas contas públicas, que, como o nome já dizia, eram de todos e de ninguém. Depois iria a um jantar da prefeitura, onde tomaria algumas taças de vinhos raríssimos que encomendara para a ocasião, afinal era o responsável pela acolhida à missão comercial européia. Infelizmente o telefone não parava de tocar, acabou precisando atendê-lo.

No jornal um repórter recebeu um envelope misterioso, não identificado, que levou ao chefe da redação, que imediatamente o abriu.
Não podemos publicar ISTO! – disse em voz alta.
O chefe de redação deu dois telefonemas.

No beco sórdido, uma figura escura sentiu vibrar o celular, era um de seus clientes importantes encomendando o próximo serviço.
A figura escura deu um sorriso sujo, cuspiu um palito seboso e começou a se mover rumo ao norte.

Numa casa bem ao sul, mas não distante do tal beco sórdido, um marido entrava em casa e arrumava as malas. O carro fora abastecido e agora só faltava partir para sempre, rasgou as malditas almofadas brancas da esposa e saiu.

O fotógrafo limpava seu cartão de memória, o upload estava pronto.
Guardou a câmera no bolso, despachou-se de avião para bem longe dali.
No dia seguinte imprimiu uma das fotos e remeteu cuidadosamente a um amigo.

A mala estava muito pesada, mas ele era o único que podia carregá-la. Eram poucos passos, do carro para a escada, depois era só empurrar ali para baixo. Pronto! Conseguira.
O que era aquilo? Teria visto um flash? Um carro partia em alta velocidade...

A figura escura disparou diversos tiros e fez desaparecer a fotógrafa.
Mas era figura conhecida e não tardou a ser capturado. Na cadeia, enforcou-se na cela logo no primeiro dia, sem nada revelar.

O repórter rastreou possíveis remetentes da carta pelo cruzamento do endereço da agência de onde tinha sido remetida e de informações sobre os clientes das lojas de materiais fotográficos próximas a ela. Precisou dar diversos telefonemas.
Visitou alguns locais, encontrou uma fotógrafa que lhe cedeu um de seus negativos. Imediatamente chamou um fotógrafo policial de sua máxima confiança, que digitalizou o negativo e inverteu as cores, revelando um crime.

O amigo era policial na cidade do sul e investigava o assassinato de uma menina de oito anos, que tinha sido encontrada estrangulada dentro de uma mala. A mala fora encontrada por alguns artesãos debaixo de uma escada de acesso à rodoviária.

O marido, enquanto isto, conseguira bastante dinheiro e dólares, e agora já andava perto de Buenos Aires. Era um desconhecido ali e passou a viver como um homem honesto pela primeira vez.

O redator chefe precisou cortar custos e demitiu um repórter e um fotógrafo policial, que acabaram envolvidos em problemas financeiros graves e foram levados ao crime e ao alcoolismo. Ambos foram presos no sul e foram encontrados enforcados em suas celas.

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