Concentração em Laranjeiras

Lá no meio do bloco um vampiro avançava sem disfarçar sua natureza vampiresca.
Um bêbado perguntou que sangue ia sugar naquela noite, um grupo de bichas ofereceu seus pescoços a ele, mas não queria nada com álcool nem homens. Queria o pescoço de uma bailarina que vira de relance e agora desaparecera engolida pelos foliões.
Era muito difícil passar pelas pessoas, o bloco não se movia e a multidão pulsava ao som incompreensível de marchinhas misturadas. Sua fome só fazia aumentar, não se alimentara ainda e nem sinal da bailarina.
Sua capa era puxada, esticada, rasgada. Suava muito em seu terno preto, caríssimo, comprado na Inglaterra há mais de cem anos: depois daquilo ia certamente para o lixo. As roupas andam tão caras hoje em dia!
Foi arrastado para cá e para lá, nada. Parecia tudo normal para a multidão. Cruzou com alguns diabos, com alguns monstros, todos bem à vontade por ali. Um inferno.
Ao menos se a música estivesse boa poderia relaxar um pouco e cair na folia também, quem sabe no dia seguinte noutro bloco de Ipanema seria melhor...desistiu de ficar ali.
Tentou entrar em um táxi que parava, mas dentro havia um grupo de senhoras sensatas que o reconheceram e não o deixaram entrar. Como só pode entrar onde lhe é permitido, precisou andar até a estação de metrô mais próxima.
Sentado nos bancos laterais, aqueles para idosos e deficientes, os únicos disponíveis, sentia o cansaço tomar conta de seu corpo. Quase cochilava e então viu que bem ali ao seu lado estava ninguém menos que sua bailarina!
Olhou em seus olhos, bem fundo, e a beijou. Ela então esticou-lhe o pulso, já cortado, para que pudesse sorver o sangue quente e salgadinho.
O vampiro sugava, lambia e beijava a bailarina, e ninguém achava aquilo estranho.

Lá no meio do bloco a morte vagava vestida em seu manto negro, brandindo a foice do destino. Aquilo certamente era muito mais difícil que as partidas de xadrez a que estava acostumada, mas estava ali a passeio, não era uma disputa.
O calor era terrível, emanava dos corpos suados e pegajosos que pulavam ao redor. Era espremida, empurrada, agarrada, apalpada.
Volta e meia descuidava e esbarrava com a foice em alguém – este não veria o dia seguinte. Só então era percebida, a pessoa olhava para dentro de seu capuz assustada e sabia ver nas órbitas vazias o que viria a seguir.
Andava sem barulho e atravessava paredes para escapar ao calor e descansar da multidão, e ninguém achava aquilo estranho.

Lá no meio do bloco três diabas em minúsculos biquínis vermelhos cantavam abraçadas as marchinhas dos antigos carnavais, e pareciam imperdíveis a quem quer que olhasse para elas: cada homem via exatamente o que mais buscava ver em uma mulher.
Brandiam seus tridentes e uma a uma ofereciam-se aos rapazes. Levavam os meninos a uma Kombi que estava estacionada ali perto e os despejavam pela porta lateral diretamente em um buraco que caía até o centro da Terra.
Já tinham capturado quase duas mil almas apenas naqula noite, recorde absoluto. Agora bebiam uma vodka com suco de maçã e pimenta e se pareciam com umas velhas aposentadas de camisola e bigodes, do tipo menos atraente possível para poderem descansar um pouco.

Havia por ali também alguns anjos, estes disfarçados de diabos, bailarinas, travestidos, indecentes, meninos e meninas que anjo não tem sexo, mas sem esconder as asas brancas, que por toda parte se revelavam.
Andavam misturados e espremidos, respingados de cerveja, suor, música ruim, cheiro ruim, e iam vigiando os monstros, diabos e criaturas da escuridão que todo ano vagavam por ali.
Espalhavam amor e salvavam as pessoas com seu hálito divino (muito parecido com Halls), mas, diga-se de passagem, faziam isto sem muito critério e sem muito zelo, afinal também era feriado para eles.
Foda-se que a morte mate uns, que umas tantas almas se percam, que algum sangue seja derramado. É carnaval e ninguém é de ferro.

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