A Fera de Bom Jesus

Compadre, aqui na cidade só tem dois açougues e mesmo assim eles sempre dão conta do recado. Toda sexta-feira um boi é abatido e as pessoas antes disso já reservam para si as melhores partes. Eu tinha encomendado a picanha, até paguei adiantado ao Armando, e onde é que ela foi parar?
Eu sei, encomendei filé, está faltando também. Foi tudo para o papo do leão. O Armando disse que vão matar mais um boi amanhã.
Hoje ainda é segunda! Desse jeito, se não expulsarmos eles da cidade, vai faltar carne na próxima semana.
Não sei como será, o maldito já está urrando de fome, já comeu tudo o que tinha à venda por aí. Não vai dar para esperar até amanhã para matar boi e botar no balcão não.
Esse leão é muito feroz, disseram que já atacou um domador. Arrancou a garganta dele com uma patada, depois comeu o que conseguiu. Fera quando prova a carne de gente não esquece o gosto.
Já reparou como olha para as crianças que vão lá espiar os bichos? Olhos de sangue!
As pessoas estão com medo de sair de casa. Se não tocarmos eles daqui, aposto que o bicho foge da jaula para comer o povo aqui de Bom Jesus.

Velha, escute os rugidos do leão. O bicho não está mais aguentando de fome.
Ai, Sinhô, ele vai comer todo mundo!
Ah, vai, se escapar, vai. Se não arranjarem um bom pedaço de carne para ele, é melhor trancarmos a porta.
Sinhô, as meninas disseram que vai ter assembléia no clube, o prefeito e o pastor querem expulsar o circo da cidade amanhã cedo. É melhor você ir também, que é homem, as meninas disseram que só podem ir os homens. As mulheres armaram um bingo lá na igreja.

Eita, Manuel, cidadezinha de merda, buraco de lugar. Fim de mundo. Não tem comida para vender, nem para a gente e muito menos para os animais. Precisamos recolher a lona e partir para outra cidade.
Eu disse para não entrarmos aqui, olha só no que deu: não vem ninguém há três dias. Só umas crianças remelentas ficam rondando as jaulas. Já experimentou sair à rua? Parece que vão te queimar vivo: se olho soltasse raios como na tv já estaríamos perfurados.
Manuel, avisa a todos que vamos embora. Está muito estranho lá fora, a cidade está deserta desde cedo, os homens foram ali para aquela casa azul, as mulheres para a igreja. Esse silêncio todo me assusta. Mande desmontarem urgente, quero pegar a estrada em duas horas.
E o leão, o que fazemos com ele? Não vai dar para viajar assim.
Quer saber? Vamos deixar o leão. Esse pulguento só arruma confusão e dá despesa.
...
Solta num quintal qualquer.

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