Idéias nada boas e algumas chaves

Está bem, vou contar como tudo aconteceu desde o início, para o senhor entender pelo que eu passei hoje. E ver que eu não sou louca, nem agressiva, pode perguntar a qualquer um.
Estava em meu escritório, no alto de uma das torres do Rio Sul, calmamente admirando a vista enquanto aguardava a chegada de um importante cliente.
Foi quando o telefone tocou novamente. Pela décima vez. Nas nove vezes anteriores alguém telefonava insistentemente e ficava em silêncio quando eu atendia. Mas havia alguém lá, eu podia ouvir a respiração. Eu desligava, mas a pessoa ficava ali prendendo a linha até cair a ligação, então a campainha tocava novamente.
Eu estava quase perdendo o controle, quando a Margarete telefonou. Isso mesmo, na décima vez era ela, a diarista nova que meu marido contratou.

- Alô? Dona Cecília?
- Oh, finalmente consegui falar com a senhora! Isso aqui está muito complicado.
- Tudo bem, não vou ocupar o tempo da senhora, é só para dizer que os moços já vieram buscar a geladeira. Da próxima vez a senhora precisa me avisar antes, pelo menos para eu descongelar, foi pingando água pelo tapete da sala.
- Era da firma que conserta geladeiras mesmo, deixaram até um cartão deles, tem uma geladeira desenhada. Tem um telefone anotado aqui, mas não dá para ler direito, a caneta está borrada. Também, tanta água que vazou só podia borrar.
- As carnes para o churrasco do seu Mauro? Ah, aqui não tem isopor, eu coloquei as carnes dentro da máquina de lavar. Pelo menos não junta sangue, tem aqueles furinhos e escorre para o ralo se eu ligo para bater. Mas não se preocupe, não vai pegar gosto de sabão, eu embrulhei as carnes com um lençol velho que tinha aqui, um assim bordadinho, sabe qual é?

Nesse ponto, senhor delegado, eu comecei a gritar, descontrolada. Sim, xinguei bastante, a família também, a dela e a do ladrão de geladeiras. Ela simplesmente não parecia ser capaz de compreender o que havia acontecido.
Mas isso foi só o início. Ouvi um zumbido distante, depois percebi que era o som do interfone. Começou a segunda parte da história.

- Eita! Que estresse! Espera um pouco, o interfone está tocando.
- Mas seu Orlando, dona Cecília disse que não era para ter subido ninguém. Nem era para terem levado a geladeira.
- Não sei, acho que ela não está de mudança. Ela está no escritório trabalhando e está muito nervosa hoje.
- Fala para o caminhão esperar então. O rapaz da geladeira trabalha nessa firma também? Aquele moreno bem fortão? Que coincidência! Espera um pouco, vou passar um pente no cabelo, depois o senhor pode deixar que subam Ai, seu Orlando! É hoje que eu me perco!
(voz se aproxima)
-Ops! Esqueci o telefone fora do gancho!
(click)

Obviamente cancelei a reunião e corri para meu apartamento. Desci os trinta andares de escadas da torre pulando os degraus de quatro em quatro para chegar mais rápido que o elevador. Peguei o primeiro táxi que passou, mas de Botafogo a Vargem Grande demoramos cerca de uma hora e quinze.
Quando chegamos, passei correndo pelo porteiro, só deu tempo de perceber um sorrisinho maroto, imaginei logo tramas e cumplicidades mas fui adiante pois vi Margareth sentada ali na poltrona do hall.

- Olá, dona Cecília! Correu tudo bem, o pessoal foi bem rápido. Aqui estão as suas chaves, hoje vou cobrar só a metade porque nem precisei limpar os banheiros.

Perdi o controle, sabe? O primeiro soco foi em cheio no nariz, depois continuei acertando o rosto, a barriga. Usei as mãos, cotovelos, joelhos. Não era eu quem batia, era alguma força primitiva, eu destruí a mulher.
Tirei de suas mãos as chaves, subi e destranquei a porta.
Escuridão.
Acendi as luzes e todos começaram a gritar meu nome e vivas e parabéns, logo fui cercada por uma multidão de amigos.
Claro! É meu aniversário, uma festa surpresa. Eu ali no meio, descabelada, amassada e suja de sangue.
A diarista? É uma atriz que o Mario contratou, foi um plano para me roubar do escritório no final da tarde.
Ela vai ficar bem?

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