Rivotril
O consultório estava lotado, as velhas poltronas cor de
vinho todas ocupadas por pessoas como eu, só que eu estava no final da fila e
lá fora começava a chover intensamente.
(Raios iluminavam a sala melhor que as lampadinhas chinesas
do ventilador.)
Na minha frente estava um menina de uns 20 anos de idade,
cabelos compridos, pele bem clara, olhos escuros e – oh! Um desconcertante
desalinhamento dos olhos.
O olho esquerdo era visivelmente posicionado no rosto em altura diferente do direito, talvez um centímetro mais baixo. Ela parecia ter
sido feita num daqueles moldes desencontrados, duas meias faces coladas com
descuido, duas metades de irmãs gêmeas.
Piscava para mim, ou para si, e o movimento fazia mudar a
posição dos elementos da face, a expressão parecia girar, parar, girar, parar,
como se os olhos fossem trocando de lugar.
Girar, parar.
Os raios acendiam a penumbra do olhar, hipnotizante olhar
agora também aflito, injetado.
Girar, parar.
Náusea, enjôo, como quiserem chamar. Vertigem?
Lembrei da menina, ela sempre ia ao consultório junto
comigo. Desde criança, mas não havia raios nem chuva perturbando o silêncio das
telhas.
Girar, parar.
Vertigem, vertigem. A menina joga um beijo para mim, que
parece dançar naquele rosto conturbado antes de cair. Girar, parar…
Não podíamos mais suportar aquilo, juntas levantamos e demos
um passo ao lado, depois outro, ainda grudadas pelo olhar.
Arrisquei um passo a mais, a menina fez o mesmo e de repente
desapareceu.
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