Histórias Encaixadas - Parte3 – Barbarossa

Maristela tomou outro gole da poção mágica que fazia crescer cabelos em bola de bilhar: ela queria tanto ter barbas que já experimentara de tudo um pouco, agora estava apelando para magia.
Era linda, jovem, ruiva, bem feminina, mas queria muito ter uma barba espessa e comprida, como a do imperador Pedro II, imponente.Já tomara hormônios, e nomáximo conseguira um bigodinho ralo e uma menstruação bagunçada. Já usara tônicos e produtos químicos, que só trouxeram espinhas, coceira e medo de um câncer.
A poção que bebia encontrara pela internet, precisara ir buscar em um barraco sombrio de favela, onde fora recebida por uma feiticeira descabelada e parecida com o Grande Otelo.
Olhos amarelados e grandes, uma expressão lunática, ela não parara de rir entregara um frasquinho azul, onde lia-se "ruivo", e recebera o dinheiro. E só. Maristela fora embora rapidamente.
Dizia o anúncio: "beba toda a poção e vá dormir. No dia seguinte a barba estará visível e crescerá em ritmo acelerado por dez dias. Ao término deste período, a poção perderá o efeito em pessoas normais"
Hummmm, pessoas normais... Virou o resto em um grande gole, o gosto era de vwgetais, coisa velha e mofada, a textura era arenosa, viscosa. Um nojo. Deitou esperançosa e apagou a luz. Então ouviu a campainha tocar, e teve a impressão de levantar para atender, mas viu-se sonhando perdida em uma favela-labirinto onde as paredes dos barracos eram móveis e se recombinavam para impedir sua passagem.
Acordou molhada de suor às 4 da manhã, sentindo cólicas terríveis. Gritou maldizendo a poção e sua ingenuidade, e todas as feiticeiras do mundo. Lavou o rosto com a água fria da madrugada e não resistiu a uma olhada no espelho do banheiro: lá estava seu rosto com uma barba ruiva de três ou quatro dias sem barbear.
Putz! Funcionava mesmo. Sentou-se na privada, realmente espantada, nem dormiu mais aquela noite. Fez penteados, experimentou roupas, espiou-se nua, tirou fotos, riu como uma criança.
O dia seguinte era um sábado, e decidiu ficar em casa experimentando novas configurações de si mesma. Domingo estava exausta e passou a maior parte do dia dormindo, e na segunda-feira já tinha uma barba respeitável.
Colocou um vestido bem alegre e foi trabalhar. No escritório ninguém comentou, talvez nem tivessem reparado. Fosse um decote ousado, teria capturado mais olhares. O dia passou rápido, e assim também foi na terça e na quarta-feira.
Na quinta-feira ela já tinha uma barba volumosa, cheia, ruiva. Combinava até com seu rosto, de traços delicados e pele bem clara, com seus olhos azuis e cabelo curto. Morria de felicidade. Foi trabalhar de metrô e levou alguns olhares apaixonados consigo, um jogo divertido.
Neste dia almoçou spaghetti com molho de tomate e achou difícil comer sem se sujar. E não conseguia ver seus colares, ficavam escondidos. Como viveria sem spaghetti, sopa, colares?
Os dias rapidamente se dissolviam e num instante chegou ao prazo em que a poção perdia seu efeito, a barba parou de crescer, mas isto até era bom já que tinha o comprimento da barba do mago Merlin. Estranho, mas durante todo este tempo era como se apenas ela percebesse a barba, ninguém comentava, dizia gracinhas, nada. Só tinha a certeza de que aquilo acontecera porque todos os dias seu crescimento tinha sido registrado por dezenas de fotos.
Acabou enjoando, o desejo havia sido realizado, e era só. Resolveu barbear-se no dia seguinte, mas isto nem fora necessário, era o décimo dia e acordou com o rosto lisinho novamente. Nenhum pêlo em sua cama, nem no banheiro, eles tinham sumido milagrosamente como tinham aparecido e crescido antes.
Buscou as fotos para recordar, elas também tinham desaparecido. Alguém estivera em sua casa? A porta do apartamento estava aberta, apenas encostada.
Percebeu que vestia uma roupa bastante suja, encardida e mesmo rasgada em alguns pontos, sentiu que sua pele cheirava mal e resolveu tomar um banho imediatamente e depois resolver estes mistérios recentes.
No trabalho, foi chamada à sala do chefe tão logo entrou no escritório:
- Muito bem, dona Maristela, por onde tem andado? Acha por acaso que esta empresa é a casa da mãe Joana? Saiba que estes dias serão descontados de seu salário. Imagine ter a cara de pau, nem apareceu para marcar o ponto. Agora vá, deve ter o que fazer!
Confusa, telefonou para o namorado, para amigos, ficou assustadíssima: tinha estado desaparecida por dez dias.

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