Coisas que acontecem quando não tem ninguém olhando – XI

Ana abriu os olhos e viu seus próprios abertos, olhando para seus olhos. Bem ao lado dela, ali na cama mesmo, ela tinha acabado de acordar e sorria sonolenta.

- Olá!
(estou ficando maluca? Será um reflexo? Falou comigo!)
Experimentou levantar, sentou na beiradinha quase caindo, mas ainda estava lá deitada com o sorrisinho zombeteiro, ainda que estivesse aqui com uma expressão assustada.

- Sou a sua outra parte. Finalmente livre! Graças a você ter dormido sem jantar eu pude aparecer. E daqui a pouquinho vou tomar o seu lugar. (risinho) É péssimo não existir.

Ana correu para o banheiro, lavou o rosto com água bem gelada, deu-se uns tapas para despertar. Ok, ela andava tomando coisas e ontem mesmo passara o dia chapada, mas nunca tivera visões antes.

Voltou ao quarto achando tudo aquilo um absurdo. Encontrou consigo mesma vestida com seu vestido vermelho de bolinhas e bem sorridente. Ignorou a presença e começou a estudar, tinha prova de matemática no dia seguinte e nenhuma alucinação impediria isto.
Estudou a manhã toda, até que de repente percebeu que podia ler através de sua mão. Putz!

- Aha! Você está ficando transparente! De-sa-pa-re-cen-do! (risadas empolgadas) Sabe, querida, eu agora estou me sentindo cada vez mais Ana, logo você vai sumir. Estou absorvendo você e tomando o seu lugar.

A outra Ana era mesmo ela. Há quatro anos, eram uma só, um corpo obeso de 140 quilos. Depois de uma cirurgia de redução de estômago e quatro anos de dieta e privações, Ana atingira os 70 quilos. Pesava a metade, perdera uma Ana de peso. Como ficara sem comer no dia anterior, chegara ao exato meio termo, e a outra Ana era a Ana que tinha estado perdida e agora queria trocar de lugar com a Ana que ficara.
Como não comera desde que acordara, perdia peso rápido. Se chegasse aos 69, a outra seria uma Ana de 71 quilos e ela estaria condenada ao desaparecimento.

Ana percebeu que, à medida que ia sumindo, passava a ver imagens misturadas como se enxergasse pelos olhos de ambas.
- Acho que não, querida, você nunca passará a ser eu, eu é que serei você quando a transformação se completar. E você sumirá novamente.

Desesperada, a imagem evanescente da menina lançou um último olhar sobre o quarto desarrumado. Ana ajeitou os botões do vestido e foi almoçar.

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