Imóvel realmente imóvel

O apartamento estava em escombros.
Eu nunca havia estado em um lugar assim antes e agora percorria os aposentos sobre tábuas rangentes e descoradas do piso, cercado por paredes mofadas e descascadas. Junto aos cantos, emaranhados de fios saíam dos rodapés embolados e confusos, tudo bem velho.
A cozinha sombria não me convidou a entrar. Vi apenas a geladeira meio branca meio enferrujada e ladrilhos azuis rachados, poeira, muita poeira. E teias de aranha por todas as partes, e alguns potes de vidro com comidas podres, verdes, esbranquiçadas.
Móveis velhos, amontoados nos cantos, roupas ensacadas sobre eles, sacolas de supermercados que já nem existem mais. Um sofá, não, dois, de um couro desbotado e puído, pés de mesa sem a mesa.
Suspeito de ratos, de baratas, traças, lagartos, escorpiões, aranhas, morcegos.
Um quarto abandonado, coisas caídas nas prateleiras, papéis rasgados pelo chão, parecia ter sido revistado por uma patrulha da gestapo. Cheiro ruim, ar pesado, olhos ardendo.
Um banheiro amplo, banheira amarela, tudo imundo, e nas prateleiras frascos com perfumes antigos, garrafas de vidro grandes com líquidos coloridos decantados, borras coloridas lá dentro, espelho escurecido, medo de olhar lá dentro.
O quarto ao lado, cama vermelha ainda arrumada, muitas sacolas por toda parte, um closet com esqueleto dentro. Estava tudo assim, deteriorado e envelhecido, desde que a inquilina anterior morrera ali mesmo na cama vermelha. Pelo visto, nem o lençol trocaram.
Tudo ali era tristeza, pesar, escuridão. Um local perfeito para alguns crimes, pensei: um incêndio, um assassinato ou um rapto.

Apesar de tudo, insistia o proprietário:
- Não é uma beleza? Com uma pequena reforma pode virar um palácio.
(ou um mausoléu?)

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