Entretenimento
Luciano enxergava cada vez menos, as manhãs iam ficando cada vez mais turvas e sombrias. Tropeçava, esbarrava, caía.
Precisava de óculos novos, com certeza.
Os óculos eram sua mais frequente despesa, quase todos os meses precisava trocar as lentes. Elas iam gradativamente perdendo sua eficácia e era preciso substituir antes que não conseguisse ir até a loja. Sem óculos não enxergava nada, sua própria mão virava um borrão alaranjado.
Na ótica perto de casa era recebido como o melhor cliente, ganhava café e biscoitinhos, ouvia as fofocas do bairro, a todos conhecia pelo nome. Vantagens da idade, todos tratam bem os velhinhos – pensava.
Nem era questão de grau, as lentes iam simplesmente ficando sujas. E ele não tinha como limpar, a sujeira não via, apenas sentia.
Na ótica lavavam os óculos enquanto ele comia os biscoitinhos e cobravam por lentes novas (isso ele acabou sabendo por um ex-funcionário, mas tudo bem: no final saía enxergando, e com o papo em dia).
Um dia a ótica fechou e Luciano não conseguiu mais cuidar de seus óculos e passou a enxergar cada vez menos, aos poucos foi se perdendo em seu próprio apartamento, até que um dia descobriu que não precisava mais deles: bastava usar o tato.
Sem óculos, resolveu aventurar-se fora de casa: já há dois dias não tinha o que comer no armário. Lembrava-se da posição do elevador, das escadas, das portas dos vizinhos.
Foi apalpando a parede, abriu a porta. Seguiu apalpando o corredor, encontrou o botão do elevador, abriu a porta, entrou. Respirou fundo: alguém tinha peidado lá dentro, os sentidos aguçados de cego o faziam sentir cheiros em dobro.
No térreo foi andando rumo à portaria, dali seguiu pela calçada para o hortifruti que sabia ao lado de seu prédio, comprou umas frutas e voltou com bastante dificuldade, as distancias pareciam diferentes para quem volta do que eram para quem vai.
Esbaforido, sentindo-se rejuvenescido pela aventura, comeu sofregamente as frutas.
Tinha agora um outro problema a resolver: seus remédios. Os comprimidos eram todos redondos, a princípio vinha tomando um de cada, duas vezes ao dia, para não ficar sem medicação.
Sentia, assim, o efeito do descompasso das doses. As posologias eram diferentes, o calmante era para tomar um por dia, o do coração, 3, o do estômago, 2, o da pressão, 2. O coração vinha recebendo remédio de menos, que o calmante extra compensava em parte, mas tinha de vez em quando palpitações.
E não era só isso. Como saber se as roupas estavam sujas ou limpas? Como encontrar o pão que tinha caído no chão anteontem? Como digitar a senha no banco e como contar o dinheiro?
Luciano deu-se por vencido, telefonou para sua filha e encomendou óculos novos, dois pares, para que ele mesmo pudesse lavar as lentes.
Precisava de óculos novos, com certeza.
Os óculos eram sua mais frequente despesa, quase todos os meses precisava trocar as lentes. Elas iam gradativamente perdendo sua eficácia e era preciso substituir antes que não conseguisse ir até a loja. Sem óculos não enxergava nada, sua própria mão virava um borrão alaranjado.
Na ótica perto de casa era recebido como o melhor cliente, ganhava café e biscoitinhos, ouvia as fofocas do bairro, a todos conhecia pelo nome. Vantagens da idade, todos tratam bem os velhinhos – pensava.
Nem era questão de grau, as lentes iam simplesmente ficando sujas. E ele não tinha como limpar, a sujeira não via, apenas sentia.
Na ótica lavavam os óculos enquanto ele comia os biscoitinhos e cobravam por lentes novas (isso ele acabou sabendo por um ex-funcionário, mas tudo bem: no final saía enxergando, e com o papo em dia).
Um dia a ótica fechou e Luciano não conseguiu mais cuidar de seus óculos e passou a enxergar cada vez menos, aos poucos foi se perdendo em seu próprio apartamento, até que um dia descobriu que não precisava mais deles: bastava usar o tato.
Sem óculos, resolveu aventurar-se fora de casa: já há dois dias não tinha o que comer no armário. Lembrava-se da posição do elevador, das escadas, das portas dos vizinhos.
Foi apalpando a parede, abriu a porta. Seguiu apalpando o corredor, encontrou o botão do elevador, abriu a porta, entrou. Respirou fundo: alguém tinha peidado lá dentro, os sentidos aguçados de cego o faziam sentir cheiros em dobro.
No térreo foi andando rumo à portaria, dali seguiu pela calçada para o hortifruti que sabia ao lado de seu prédio, comprou umas frutas e voltou com bastante dificuldade, as distancias pareciam diferentes para quem volta do que eram para quem vai.
Esbaforido, sentindo-se rejuvenescido pela aventura, comeu sofregamente as frutas.
Tinha agora um outro problema a resolver: seus remédios. Os comprimidos eram todos redondos, a princípio vinha tomando um de cada, duas vezes ao dia, para não ficar sem medicação.
Sentia, assim, o efeito do descompasso das doses. As posologias eram diferentes, o calmante era para tomar um por dia, o do coração, 3, o do estômago, 2, o da pressão, 2. O coração vinha recebendo remédio de menos, que o calmante extra compensava em parte, mas tinha de vez em quando palpitações.
E não era só isso. Como saber se as roupas estavam sujas ou limpas? Como encontrar o pão que tinha caído no chão anteontem? Como digitar a senha no banco e como contar o dinheiro?
Luciano deu-se por vencido, telefonou para sua filha e encomendou óculos novos, dois pares, para que ele mesmo pudesse lavar as lentes.
Comentários