Monstros

Às vezes criamos monstros por prazer, um prazer mórbido de juntar partes de pessoas diferentes que imaginamos poderem funcionar bem em conjunto, e normalmente não dá certo.
Outras vezes os monstros acabam nascendo sem que ninguém perceba e vão se formando até conseguirem assustar as pessoas, quando finalmente são notados. Há também os que nem foram criados por nós nem nasceram assim, sempre foi possível ser monstruoso por opção.
Nem falo de Franks ou freaks, mas de monstros normais que ninguém diria serem tão tão estranhos que nem dá para sabermos se estamos vendo seu lado de dentro ou de fora.
É possível fabricar alguns desses monstros em casa: muita gente faz isso hoje em dia, vai transformando suas crianças lentamente pelo uso de táticas pedagógicas-psicológicas-sociológicas modeladoras. Gente grande também o faz com técnicas cirúrgico-deformadoras, pastas, cremes, camadas de massa corrida, lixa, tinta.
Com as ferramentas computacionais isto já está ao alcance de todos.
E é possível ajudar as pessoas no processo de monstrificar-se, há técnicas que utilizam coisas cotidianas, técnicas sem custo algum e técnicas onde simplesmente não é necessário fazer nada.
Pode-se começar com alguém sentado em uma cadeira de rodinhas, acolchoada para não gerar desconforto. São necessárias duas pessoas, uma vai passando cola em folhas de papel e folhetos e jornais, outra vai colando sobre a pessoa enquanto a primeira gira lentamente a cadeira. Quem está sentado fica grudado à cadeira, envolto como se estivesse em um casulo, por anos e anos, e tem seu tempo de transformação. A crosta de cola, endurecida pelo tempo, estica de um lado para o outro como em um ovo de borracha, e de repente se rompe deixando o monstro livre. Ou não se rompe, precisa ser cortada, o que vier primeiro. O monstro assim gerado se alimenta de carne humana, e ajuda a diminuir a fome no mundo porque a cada um que ele come é menos uma pessoa faminta no mundo, logo sobrará comida.
Há monstros de todos os tipos, em toda parte. Uns são legais, ou podem ser legais contigo, outros são antipáticos, outros têm voz de robô e trabalham em empresas de telemarketing, outros riem de quem tropeça, outros cavam buracos, outros ficam lá dentro.
Hoje mesmo estive com vários, como o cara dos amendoins, que tinha uma luz verde-fluorescente dentro dos olhos, a menina oriental que carregava muitos papéis iguais pelas ruas, o guardião das chaves, o surdo-mudo misterioso, a poita-móvel com os barcos amarrados, a mulher-dálmata.
A maioria deles parece inofensiva, mas se alimenta por osmose: encosta um braço no seu e quando você percebe, seu osso mudou de dono. Encosta a cabeça na sua e quando você percebe seu cérebro ficou menor e a cabeça do outro transborda a massa cinzenta até pelos olhos. Encosta os cabelos nos seus e suas cabeças ficam unidas para sempre, então encosta o nariz no seu e então as bochechas, os olhos, a testa, e quando você percebe, está lá dentro dele também, monstrificado.

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