Outros recomeços
Andava sempre dois passos à frente de sua sombra, para não
cair no escuro buraco por ela demarcado, ameaçador. O buraco o seguia,
profundo, onde quer que fosse, tentando engoli-lo.
Na metade do dia não podia sair às ruas, ou se saísse, precisava
usar poderosos refletores que deslocavam a sombra a pino um pouco para os
lados, algo inconveniente.
Preferia caminhar sobre as águas, que dissolviam a sombra,
mas nem sempre havia um lago ou piscina disponível, e o mar não levava a parte
alguma.
No fim do dia, depois de tanto fugir de si mesmo, chegava-se
perto de algum muro e o sol poente trazia a sombra para o seu lado. Aí entrava
no buraco como quem entra pela porta de casa, e todo dia ficava lá dentro
escondido esperando o tempo voar, a noite passar, sonhando com alvoradas de
bolinhos de chuva com café.
Isso foi há anos atrás.
Comentários