Domingo no Parque

Curitiba. Parque Barigui.
Escolho para uma sombra ali próximo ao lago, sobre a grama verdinha, há por ali uns gansos disputando pedaços de pão que um garotinho joga, joga um e come um, os gansos quase atacando para pegar logo o pão inteiro.
Faz um calor danado, 39 graus, algo incomum aqui, fico me sentindo um desses europeus jogados pelos parques alemães, tirei mesmo a camiseta para aliviar. Minha pele é de uma cor branco-rosada, se deixo a camiseta fico também com aquele bronzeado-pescador, nos braços e pescoço, com o peito e barriga brancos.
Trouxe um violão, toco baixinho umas músicas do Cartola, umas coisas antigas que ando escutando agora que estou estudando música. Tristezas felizes.
Há uma lenda aqui do parque, que nesses lagos mora um jacaré, o jacaré do Parque Barigui, que de vez em quando desaparecem umas crianças, teriam sido comidas pelo jacaré. Um pai certa vez relatou ter visto o filho sendo devorado, não ficou nenhum vestígio de luta porque o menino estava muito na beira do lago, escorregara e caíra nas águas, e depois fora puxado para o fundo e engolido inteiro, sem sequer ter tido seu sangue misturado às águas amarronzadas. Sensacionalismo. Filho hipotético? Afogamento? Delírio?
Como o monstro do Loch Ness
Ali perto há o museu de carros antigos, tem hoje um fusquinha na vitrine, lembra tanto o seu 75! O rádio de ondas curtas pegava rádios da Inglaterra, de algum país árabe, da França, mas só quando o motor estava desligado. E o barulhinho tactactactac do motor, o cheiro de fusca, lembranças sensoriais. O cheiro de algumas árvores traz também essas lembranças sensoriais, lembro do pátio da escola, da casa de praia, de um primeiro beijo.
Acabou o pão do menino, vejo seus pais tentando convencê-lo a dar uma volta, antes que os gansos ataquem, ele agora brinca de colher galhos secos. Jacarés comem gansos? A prefeitura pode abastecer o parque com muitos gansos para evitar que as crianças sejam atacadas, ou o jacaré pode ter ido para lá pela alta disponibilidade de gansos. Ou há tantos que os jacarés talvez não gostem de comê-os, ou talvez nem existam mesmo ali.
Agora meu violão toca uns rocks clássicos. E o domingo vai avançando preguiçosamente. O sol até ficou mais ameno, a previsão para hoje é chuva à tarde, quem sabe frio à noite, clima curitibano.
Uma estranha visão: andando aqui perto um bicho grande, uma capivara. Soltou umas bolinhas de cocô, umas meninas fotografando a capivara enquanto fazia suas necessidades, e ignorava as meninas. De repente, surge um bando de pessoas, muitas pessoas fotografando a capivara, o bicho deve ter se irritado, deitou virado para o lago. Pelo menos aqui não tem jaula, devia pensar.
Há muitos pássaros nas árvores e no gramado mesmo, quero-queros escondem ninhos ali, soltam gritos agudos para avisar. Os sabiás carregam pedaços de palha e grama e gravetos e insetos. No céu vejo também umas pipas, bem coloridas e grandes, formatos inusitados e diferentes das pipas suburbanas lá do Rio.
Do outro lado do lago pedalinhos flutuam e dançam sem pensar em jacarés, e mais atrás há um parque de diversões daqueles bem fuleiros, mas daqui posso ouvir gritinhos das crianças felizes nos carrinhos e naves giratórias.
Mais atrás um paredão de prédios, todos novos, onde antes havia apenas casas de madeira, dessas de colonos poloneses e italianos, de tábuas coloriadas e portas e janelas de outra cor. Mesmo assim, é bem longe e não perturba a tranqüilidade de estar aqui.
As casinhas de madeira vão ficando cada vez mais raras e mais afastadas do centro. Moro em uma delas, provisoriamente, por uns dias apenas, amarela e vermelha.
Almocei pesado, fui a um restaurante que serve costelas aqui perto, uma delícia. Comi várias rodadas, uma espécie de rodízio de costela apenas, que é muito apreciada por aqui. Provei uns feijões, cebola, farofa, mas ataquei mesmo as carnes.
Quebrando toda aquela tranqüilidade, passam aqui atrás umas pessoas frenéticas. Seguem a ciclovia correndo, patinando, pedalando, andando, indo e voltando, parecem passar por aqui sem sequer olhar ao redor, ignoram árvores, gansos e capivaras.
Toco umas melodias inventadas, meio dedilhando sem destino, uns pensamentos que andavam tão distantes que fizeram as músicas em pano de fundo.
Coloco o violão de lado para ler um pouquinho, adoro ler coisas escritas em papel de verdade, aos domingos tento ser o mais analógico possível, unplugged. Estivesse no escritório ficaria lendo e-mails, mandando mensagens pelo celular. Preciso fugir às vezes.
Leio uns contos fantásticos sobre loucura, a cada história vou lembrando de pessoas e situações loucas que aconteceram. Quem é realmente, essencialmente normal, que não oculte lá no fundo suas perturbações?
Acabei cochilando, acordo feliz e já está anoitecendo, bem mais fresquinho. Melhor vestir a camiseta. Vou caminhando pela grama, hora de tomar uma cerveja no bar do parque.
Ando na penumbra, desviando dos ninhos e dos galhos caídos. Vejo no meu caminho a silhueta da capivara, como ficou tanto assim naquele mesmo lugar? Mais de perto percebo que ela não está só, algo se mexe logo atrás, vejo a sombra escura de uma cabeça comprida aparecendo sobre o flanco do animal, e da penumbra me observam agora dois olhos amarelados, parecem famintos e furiosos.
Resolvo deixar a cerveja para outro dia. Não quero decobrir que Nessie existe de verdade.

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