Inacabado

- É difícil pensar em uma saída mais honrada, precisamos mesmo desistir deste jogo.
- De modo algum, desistir não. Somos heróis, nada de rendição. Se for preciso, enfrento qualquer um.
- Mas todos já perceberam que não somos daqui, não conseguiremos nada.
- Entre conseguir ou não conseguir e desistir, escolho tentar mais uma vez.
- Você é quem sabe. Agora chega de discussão, que já estou ficando de saco cheio.
- Olha quem fala...
- É isso mesmo, você nunca consegue decidir! Por mais simples que seja!

-

A balconista observa dois senhores discutindo, estão cada vez mais putos, pensa.
Um deles até está ficando vermelho, isso não está certo.
Ela vai até a ponta do balcão, finge arrumar uma coisa aqui, outra ali, ajeita as etiquetas dos preços, pega um espelho de mão e começa a retocar o batom. Ela é muito bonita, uma gracinha de vinte e poucos anos, pele branca e olhos verdes, sabe que é assim e está sempre retocando algo. As feias são modelos mais práticos de mulher, imagina.

Está quase morrendo de curiosidade, tenta compreender o que discutem mas não é capaz disto, eles estão agora entrando no provador, cada um com umas peças de roupa, bengala, guarda-chuva.

-

- Mocinha, ei, o que é isto ali no canto?
Ai, que velhinho fofo, pensou a balconista, lembra tanto meu avô.
- Aquilo, senhor, é um controle remoto daquele robô, é um brinquedo.
- Posso ver?
Então ela se abaixou e sentiu um puxão nos cabelos, e um som de tesoura, e depois viu tufos do seu cabelo por toda parte.
- Aaaai! O que é isto?
- Fica quieta, menina, quer que pensem que você é maluca? Preciso dos seus cabelos para uma macumba que estou preparando contra meu síndico.
- O senhor é quem é maluco. (pega o telefone) Alô, segurança, socorro!
O velho abre o casaco e exibe um colete de bananas de dinamite, granadas, e outras coisas que ela só viu em filmes.
- É melhor ficar quietinha, querida, um peido e o quarteirão vai pelos ares!

-

A loja está cercada, aparece no Jornal Nacional. Os fregueses foram impedidos de deixar o local, o vovô 1 quis todos deitados pelo chão como reféns.
Enquanto isto, ninguém lembrou do vovô 2. Este estava na sala da administração, examinando o aparelho de falar.
- Hummm....microfone, botões, volume, luz vermelha apagada..
Encontra o botão certo, a luz acende.
- Muito bem, vocês são nossos prisioneiros, estamos aqui para libertá-los. Quero que vocês venham até aqui, um a um, e digam algo que nunca tiveram coragem de admitir. Uma verdade qualquer sobre você mesmo. E é bom que sejam sinceros ou morrerão.
E depois digam algo sobre alguém que não está aqui. Um segredo quente.
Estamos em cadeia nacional, disse, apontando para as câmeras.

Nervosos, os reféns se mexiam lá no chão. A tensão aumentava, pessoas chorando, pessoas rezando. Ninguém sabia o que fazer.

- PORRA! Vou contar até 3, se ninguém vier vou começar a atirar.

Um menino levantou-se e andou para a cabine. No caminho, tropeçou na balconista loira, esbarrou no vovô1 e tudo foi pelos ares. Fora do script.
Pela TV ninguém ficou sabendo como a história acabaria.
Todos olhavam atônitos as imagens das chamas, ávidos por fofocas.

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