Olhar Pesado, Frio

Ela estava muito apertada para ir ao banheiro, mas não podia ir.
Todos olhavam para ela com olhares pesados, ameaçadores, significando que não podia pensar em sair dali.
Mas a vontade era muito forte, irresistível, e ela não conseguia enfrentar os olhares, não levantava um milímetro da cadeira.
- Sabemos o que sente (diziam as vozes dos olhos pesados), mas não podemos fazer nada por você. Não nos incomode.
E ela sentia a vontade passar a ser dor e a dor passar a ser desespero.
- Nem pense.
Prendia a respiração, cruzava as pernas, roía as unhas, lacrimejava.
O frio que emanava dos olhares só piorava sua situação, então com um tremor sentiu a explosão dentro de suas calças e agora estava toda molhada e cheirava mal, suas roupas destruídas.
- Vergonha!
Olhou nos olhos pesados e frios:
- Quero minha mãe!


Ela estava faminta, e cercada por bandejas de delícias, mas não podia comer.
Todos olhavam para ela com olhares pesados, ameaçadores, dizendo que não podia pensar em tocar na comida.
Mas a vontade era muito forte, incontrolável, e ela não conseguia enfrentar os olhares, não movia a mão um milímetro sequer.
- Sabemos o que quer (diziam os olhares), mas não podemos ajudar você. Não nos perturbe.
E ela sentia a vontade passar a ser dor, e a dor passar a ser agonia.
- Beba água.
Enchia copo após copo, pensava em outras coisas, mordia a mão.
O peso da culpa que os olhos traziam piorava a situação. Sentiu um espasmo interno e todos ouviram o ruído de sua barriga roncando, e agora estava lambuzada e estufada, o regime desperdiçado.
- Indisciplinada!
Olhou nos olhos pesados e frios:
- Ah! Começo novamente.


Ela estava deprimida, cercada por garrafas de bebidas cintilantes, mas não podia beber.
Todos olhavam para ela com olhares pesados, ameaçadores, condenando os vícios que ela tinha.
Mas a vontade era muito forte, incompreensível, e ela não conseguia enfrentar os olhares, mas não largava o copo um segundo sequer.
- Sabemos o que quer (dizia o peso do julgamento), mas não podemos ajudar você. Não nos enfrente.
E ela sentia o desejo passar a ser dor e a dor passar a ser convulsão.
- Coma alguma coisa.
Comia isso e aquilo, conversava com as pessoas, cheirava os gargalos.
A frieza acusadora que os olhos lançavam só piorava a situação, então com uma resolução inabalável sentiu um vazio interno e uma sede incrível, e agora estava bêbada e desmoralizada.
- Traste!
Olhou pela última vez nos olhos pesados e frios:
- Ah! Foda-se.
E tomou um frasco de tranqüilizantes em seguida.

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